Douro: Explorando o Douro, da Régua ao Pinhão

11/05/2020

Sara Dias é uma pessoa apaixonada. Pelo Porto, pelo Douro, pelas coisas simples da vida. Pelo menos foi essa a sensação com que fiquei quando a conheci na manhã soalheira em que me foi buscar à porta de casa, em Matosinhos, para consigo visitar a região do Douro vinhateiro.

O momento era perfeito. Eu andava há algum tempo a pensar voltar à região do Douro, que considero das mais bonitas de Portugal e onde estou ligado por laços familiares, até para me reconciliar na sequência de um cruzeiro menos bem-sucedido que fizera há tempos; Sara, por seu turno, tem partilhado as suas paixões com turistas de todo o mundo através da sua Oporto & Douro Moments.

Foi por isso com as expectativas em alta que entrei na carrinha de sete lugares, pronto para me entregar ao Rio Douro nas mãos de Sara, na esperança de ser surpreendido.

No banco intermédio estava já sentado um simpático casal norte-americano. Benjamin é um militar reformado da marinha norte-americana, de tez rosada e sorriso fácil. Mora, juntamente com a sua mulher, na Alemanha.

Ambos adoram vinho e têm como objetivo criar uma agência de viagens especializada em enoturismo e levar turistas a conhecer algumas das melhores regiões vitivinícolas do mundo. Falaram de Napa Valley, nos Estados Unidos da América, da Toscana, em Itália e, claro está, do Douro. Seriam os meus companheiros de descoberta.

Seguimos em ritmo de passeio até Mesão Frio. Trata-se de uma terra minha velha conhecida, por ser o berço da família mais próxima da minha mulher e onde, ao longo dos anos, me acostumei a frequentar a vinha, as vindimas e os lagares, e a ouvir falar de “benefícios” e outros jargões durienses.

Logo a seguir, numa curva da estrada sobranceira ao Rio Douro a caminho de Peso da Régua, aconteceu a primeira surpresa do dia.

Parámos a carrinha e, num ápice, a bagageira transformou-se numa espécie de mesa de piquenique improvisada, com deliciosos biscoitos de amêndoa, cerejas acabadas de comprar e um copo de vinho do Porto saboreado a olhar os socalcos feitos por mão humana e, ao fundo, sempre presente, as águas do rio, fio condutor desta viagem ao Douro vinhateiro. Era o nosso próximo objetivo.

Sem pressas, atravessámos para a margem esquerda do rio e percorremos uma das estradas mais belas da região até Folgosa do Douro.

Quando chegámos ao cais de embarque, junto ao celebrado restaurante DOC do chef Rui Paula, já António, o nosso skipper, de pele morena e ar de lobo do mar, esperava por nós com nova surpresa. Olhei para o cais e ali estava ele, o “Dona Antónia”, uma das mais emblemáticas embarcações do Rio Douro.

Quando falei com Sara, dias antes da viagem, fiz demasiadas perguntas para me assegurar que o cruzeiro no Douro era um passeio numa embarcação pequena, num estilo de viagem relaxado e sem outras “atrações” que não o apreciar da paisagem. E era.

O que não esperava é que, além disso, o passeio fosse realizado a bordo do bonito e histórico “Dona Antónia”! Foi ele o primeiro barco a fazer o circuito entre as pontes do Porto, há mais de 50 anos, e hoje, recuperado  pela empresa Douro à Vela e rebatizado de “Entre Margen’s”, volta a navegar o Rio Douro.

Entrei a bordo, explorei a embarcação, sentei-me junto à proa enquanto António manobrava o leme rio acima. A conversa foi fluindo enquanto os socalcos construídos a pulso iam passando por mim em câmara lenta (é incrível como não me canso de olhar esta paisagem!), as águas tranquilas, um ou outro barco em sentido contrário, tranquilidade, paz de espírito, o céu pintalgado de nuvens a impedirem o sol de se tornar inclemente.

António abriu uma garrafa de vinho branco, bem gelado, e ali fui ficando a contemplar a paisagem que a UNESCO protege, enquanto, a cada curva, sem qualquer esforço, o Rio Douro ia enchendo a memória de pequenos momentos. Para mim, mais do que um prazer inolvidável, a viagem de barco foi o momento da reconciliação.

Atracámos no Pinhão e despedi-me de António; até porque era hora de almoço e Sara sugeriu que fôssemos ao restaurante tradicional Vela Douro, ali ao lado. Apesar de alguma demora para trazer a refeição, o restaurante revelou-se uma escolha acertadíssima. O casal norte-americano ficou encantado com a comida e o meu polvo assado estava absolutamente genial.

Com o almoço a ser mais demorado que o previsto, quando chegámos à Quinta do Bomfim, propriedade da família Symington, uma “curiosa amálgama de nacionalidades” presente no Douro desde 1882, tínhamos perdido, ainda que por escassos minutos, o início de uma visita guiada. Num ápice, mudámos os planos: “vamos primeiro até à estação do Pinhão”. E assim foi.

A mudança não poderia ter ocorrido em melhor altura. Quando cheguei à estação de caminhos-de-ferro, além dos magníficos painéis de azulejos que decoram as paredes exteriores, reparei de imediato no grande número de pessoas presentes na estação.

Era um excelente sinal: o comboio histórico estava prestes a chegar ao Pinhão. Minutos depois, o comboio surgiu lento e fumarento na curva lá ao fundo, aproximando-se graciosamente da estação.

Regressámos à Quinta do Bomfim e só aí percebi a insistência de Sara para ouvirmos as explicações desde o início.

Costumo ter pouca paciência para o discurso dos tradicionais “guias”. Mas o afável rapaz que me recebeu e mostrou demoradamente todo o processo de produção de vinho na Quinta do Bomfim até à prova de vinhos final só merece elogios. Foi um dos mais competentes guias profissionais que encontrei em muitos anos de viagens por todo o mundo.

O dia estava rapidamente a chegar ao fim e eu sentia-me visivelmente satisfeito com a experiência. Agradecido a Sara pelo dia prazenteiro. E reconciliado com o Douro. Eu, que não sou de fazer muitas excursões nas minhas viagens, chegara ao fim do dia extremamente satisfeito.

Enquanto regressava a casa no conforto da carrinha, dei comigo a pensar que aquilo não tinha sido bem uma excursão, no sentido formal da coisa; mas também não era um passeio de amigos.

Talvez fosse algo entre uma coisa e outra, uma espécie de informalidade profissional mas genuína que me cativou desde o primeiro instante. Só depois cheguei lá: são apenas “momentos”. Sim, momentos. As coisas simples da vida. Como degustar um vinho do Porto num miradouro sobre o Rio Douro. Ou navegá-lo num barco com história. Momentos de ouro!